Esse texto é o primeiro de quatro partes de artigo a ser escrito. Nesta seção será abordado o efeito da quarentena no comércio eletrônico. Caso tenha interesse no tema entre em contato para escrevermos juntos.
Introdução
O atual contexto de isolamento social e quarentena impostos a partir da pandemia de Coronavírus traz a oportunidade de avanço forçado de digitalização da economia, em especial para os países que não estão na fronteira deste processo e podem aproveitar uma estratégia de leapfrog com rápida aprendizagem. Diversos autores ressaltam a influência da digitalização no aumento da produtividade geral da economia, tanto pelos ganhos gerados na renda do consumidor final como também pela relação intersetorial das empresas com seus fornecedores. As ideias aqui expostas partem das seguintes premissas:
- Comércio eletrônico de produtos aumenta a produtividade, tem impacto deflacionário e de aumento da renda disponível.
- Comércio eletrônico de serviços (infoprodutos, streaming, ócio, estudo) expande a capacidade de consumo, já que serviços digitais têm custos baixos on demand ou são grátis e têm impacto altamente positivo sobre as opções de consumo. Nesse sentido, a mudança de hábito cultural para maior consumo de serviços pela internet expande a fronteira de possibilidades, especialmente para os mais pobres.
- As escolhas induzidas no curto prazo levarão a uma mudança de comportamento a longo prazo. Uma vez que os usuários entendem o custo de aprendizagem de um serviço digital eles passarão a utilizá-lo a futuro.
E a premissa mais importante:
- O impacto na mudança de hábitos dependerá do quão longa e estrita for a quarentena. Uma quarentena curta ou laxa pode não ser incentivo suficiente a que muitos usuários migrem para serviços digitais e inclusive para que as empresas passem a disponibilizá-los. Uma quarentena longa e estrita leva às empresas a ter que pensar formas de digitalização e os usuários a adotá-las, necessariamente. O cenário base é um isolamento social por 2 meses, com comércio fechado ou restrito, mas liberdade de circulação.
A primeira reação frente ao isolamento ou quarentena é postergar consumos, projetos e contratações. Esse é o comportamento mais lógico nos primeiros quinze dias, com os consumidores focados em bens essenciais e as empresas dando férias coletivas ou suspensões parciais. Depois do período inicial, espera-se que empresas e pessoas físicas comecem a buscar soluções digitais para os problemas do dia a dia. Do lado das empresas a pressão por buscar novos canais de venda e voltar a operar aumenta devido à necessidade de fluxo de caixa.
Comércio eletrônico
Diversos autores ressaltam o papel positivo do comércio eletrônico na produtividade da economia, na renda do consumidor através e redução de assimetrias de informação (Laudon, 2017). Há uma clivagem importante na definição de dois tipos de e-commerce, que são os puros (vendem apenas por internet) e os mistos, no qual parte é presencial e parte é online. Aqui há uma discussão ampla, que não é objeto desse texto, resumidamente, vamos considerar que uma compra realizada por internet e retirada na loja física faz parte de e-commerce, assim como um pedido de pizza por aplicativos como Rappi. Entretanto, uma reserva de restaurante feita online para consumir no local não será considerado e-commerce. Há uma linha difícil e que muda dependendo do autor, alguns defendem que a transação mais importante para definição é o pagamento, outros defendem que é o local de consumo. Para uma revisão mais extensa dos tipos de e-commerce e definição detalhada recomenda-se o anuário de comércio eletrônico produzido por Laudon.
No Brasil, há 20 anos o e-commerce vem crescendo de forma consistente, na maior parte dos anos com crescimento de dois dígitos. Somando-se empresas, meios de pagamento, plataforma, transportadoras, segurança dos consumidores pode-se dizer que é um sistema robusto e, em que pese estar em constante inovação, maduro. Mesmo sendo um dos maiores sistemas de comércio eletrônico do mundo vale colocar em perspectiva em relação aos demais países:
Em 2019 a China passou os Estados Unidos no varejo tradicional em termos de faturamento, no comércio eletrônico os chineses estão ainda mais avançados. O ecossistema de inovação também está operando de forma mais vigorosa na China. Curiosamente, a regulação do Estado dificultando a presença de lojas físicas (o direito ao aluguel comercial é — ou ao menos era — centralizado pelo governo, que tem suas próprias lojas) levou a uma expansão do comércio eletrônico muito superior aos demais países (Dai, 2016). O processo de digitalização do varejo tradicional também está muito avançado, exemplificado nos Hema’s.
Bens Duráveis e Não Duráveis/Não Perecíveis – Aumento nas Vendas em Ritmo Mais Forte
O cenário de quarentena por dois meses levaria a um grande avanço de e-commerce nos bens duráveis e não duráveis/não perecíveis (como roupas, cosméticos, itens para casa). Somando-se o comércio eletrônico puro (compra na internet, entrega pelos Correios) com o misto que as empresas começam a improvisar (conversa personalizada com o vendedor por WhatsApp) o e-commerce responderia a quase todas as vendas do período — exceptuando hipermercados que ainda estão abertos e vendem bens duráveis. O cenário não seria disruptivo, mais bem representaria aumento de vendas para empresas já estabelecidas e fortalecimento de empresas que ainda não vendem ou que não tem a internet como canal principal.
A tendência seria de consolidação de marcas para os produtos com forte concorrência de preço e ticket médio alto (móveis e eletro-eletrônicos). Na cauda de nicho muitas empresas pequenas e médias poderiam tornar o ecossistema mais diverso, com mais lojas.
O modelo de marketplace que vem sustentando crescimento de dois dígitos para B2W, Magazine Luiza e Mercado Livre será o grande beneficiado, com aceleração da oferta de vendedores e aumento de tráfego de consumidores. Este modelo tem potencial de aumento de produtividade de forma ainda mais elevada que o comércio eletrônico pulverizado em milhares de lojas virtuais. Algumas vantagens dos marketplaces: o consumidor consegue acessar diversos fornecedores para o mesmo produto e comparar preços na mesma plataforma; as empresas menores ficam nas mesmas condições que as grandes, que antes poderiam cobrar um sobrepreço baseado na percepção de maior segurança da compra; as plataformas conseguem negociar contratos de frete com valores menores do que lojas individuais conseguiriam, o que é repassado ao consumidor.
Muitos negócios locais tem o apelo de compra por impulso e não são competitivos em preço para venda por internet. Deste modo, o cenário mais provável é o fortalecimento de negócios mais competitivos e dos que trabalhem com produtos da cauda longa da distribuição estatística (Anderson, 2015). Desse modo, uma livraria de bairro dificilmente conseguiria competir com os preços da internet, contudo um sebo de livros antigos pode facilmente ser bem sucedido. Do mesmo modo, uma loja de bairro de material de construção terá dificuldade em competir vendendo lâmpada de LED, já uma loja focada em lustres de cristal poderá ter mais sucesso. Para os negócios simples, sem diferencial competitivo ou produtos de nicho, restará a venda por WhatsApp com entrega via motoboy.
O comércio físico tradicional continuará sempre existindo, seja pelas compras por impulso ou pela experiência de experimentar, tocar e ver o produto. Mas o fator de pesquisa de preços na internet passará a ser mais relevante e os clientes céticos a compras eletrônicas terão rompido sua insegurança após realizar a primeira compra. Dentro do modelo de adoção de produto, pode-se prever que a maioria tardia finalmente fará sua primeira compra, o que posteriormente ampliará o potencial do comércio eletrônico. A necessidade de compra e aumento de publicidade das empresas em televisão aberta incentivando a compra online devem-se fazer sentir nesse público. Além disso, as empresas que tradicionalmente trabalham com públicos de classes D e E, até agora considerados mais difíceis na adoção tecnológica por diversos fatores (falta de meios de pagamento, endereços irregulares para entrega, dificuldade para comprar online), buscarão formas de chegar a esse público (por exemplo, disponibilizando compra por WhatsApp).
Perecíveis e compras do dia: uma revolução?
O cenário é positivo para o comércio eletrônico em geral, mas para os bens perecíveis pode haver um grande salto e mudança de hábito, que terá como base os super apps (Ame — B2W, Rappi, James e outros). A ligação entre compras de bens perecíveis ou prontos para consumo com a internet nunca foi fluida, mas o surgimento dos aplicativos de entrega mudou essa realidade. Desde 2018 há grande crescimento
Os supermercados por exemplo deixam a desejar em seus site. Uma pesquisa por “café” no site do supermercado Pão de Açúcar retorna o resultado de poucas marcas, apenas brasileiras e mais vendidas. Já há um movimento de fortalecimento dos canais digitais após estas duas primeiras semanas de quarentena, com supermercados melhorando os sites e empresas menores, como restaurantes, lanchonetes, lojas de bebidas passando a promover venda por WhatsApp.
É provável que apenas parte destes novos hábitos se mantenha após a quarentena, contudo em geral estas compras são feitas por impulso e algumas incluem a experiência presencial. Um cenário ainda não pensado (na primeira semana de abril de 2020) é que o isolamento tenha que estender-se para além do período que está sendo considerado atualmente. O impacto de isolamento social de, digamos, seis meses, seria totalmente redefinidor para o comércio de bens não perecíveis. Certamente não seria possível manter uma quarentena estrita por um período tão longo, mas deve-se considerar que a depender dos impactos da difusão do vírus a tendência de isolamento pode permanecer, voluntariamente, por medo da população em geral.
De todo modo, ainda que não ocorra uma mudança permanente nos hábitos de consumo destes produtos e serviços, o impacto na produtividade pode vir por parte das empresas, que deverão buscar novos fornecedores de produtos intermediários para suas atividades fins e produtos acessórios. Geralmente a busca de um novo fornecedor leva a uma pesquisa de preços com resultados positivos.
O Comércio eletrônico sai fortalecido
Uma quarentena de dois meses impulsa a digitalização de muitas atividades que fazem parte do cotidiano. Uma vez que as pessoas estejam acostumadas a fazer pagamentos por aplicativo ou internet o próprio ecossistema sai fortalecido para todos os outros tipos de transações, como compras e pedidos. O Brasil vive uma ebulição no setor de bancos digitais e aplicativos de pagamento. Uma quarentena estrita de dois meses poderia ter dois efeitos principais nesse setor: a primeira é que as pessoas que ainda não usam aplicativos para pagar contas ou boletos (laggards users) passem a fazê-lo e que bancos e lotéricas fiquem apenas para transações muito específicas. O setor bancário impulsionou nos últimos anos as transações por meios digitais, mas parte da negociação comercial e resolução de problemas ainda é feita presencialmente na agência. Uma quarentena estrita faria com que os bancos também colocassem novos serviços a disposição do usuário por site, app e WhatsApp. Esse tipo de inovação reduz custos e aumenta a produtividade da empresa, de modo que dificilmente haveria reversão ao estilo de atendimento pré-quarentena.
Contudo, uma implicação muito mais interessante e com impacto de longo prazo seria o aumento da concorrência entre os bancos. Historicamente a disponibilidade de agência é um fator determinante na escolha do banco que o cliente vai utilizar — seja pessoa física ou jurídica. Os bancos digitais teriam grande benefício em uma quarentena longa com implicações positivas no longo prazo.
Outro grande foco de digitalização são as transações entre particulares, pessoa física ou jurídica, que costumam estar restritas ao bairro. A título de exemplo, imprimir uma folha A3 para um projeto de arquitetura ou recarregar cartucho de impressora são serviços tipicamente feitos no local comercial mais próximo, sem pesquisa pela internet. Com a quarentena esses serviços do dia a dia seriam direcionados a classificados locais (como o OLX) com entrega por motoboy, com efeitos positivos na redução de assimetrias de informação.
O Brasil é um país continental com população dispersa em seu grande território e com milhões de pequenos comércios ao redor do país. Neste varejo altamente pulverizado coexistem lojas de alta produtividade que trabalham com automatização e fulfilment e pequenas lojas de proximidade, grandes empregadoras de mão de obra de qualificação baixa e média. A consolidação do comércio eletrônico, dos marketplaces e dos super apps devem ter um efeito bastante positivo na produtividade da economia. Contudo, é provável que seja acompanhado com desemprego em segmentos menos eficientes do varejo.
As crises são dolorosas demais para não deixar nenhuma lição. Que os brasileiros aprendam e fazer tudo pelos meios digitais, agora.
O post Digitalização e aumento de produtividade depois do Covid-19 – parte 1 apareceu primeiro em E-Commerce Brasil.
Na próxima semana farei mais um review com depoimento e resenha sobre Digitalização e aumento de produtividade depois do Covid-19 – parte 1. Espero ter ajudado a esclarecer o que é, como usar, se funciona e se vale a pena mesmo. Se você tiver alguma dúvida ou quiser adicionar algum comentário deixe abaixo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário